A
matéria do jornal informa que um grupo de cientistas americanos se
debruçou sobre as respostas dadas à pergunta “Quanto tempo dura o
amor?”. A pesquisa, realizada na Universidade de Wisconsin, ouviu
moradores de 10 mil casas. Conclusão definitiva do estudo: o amor dura,
no máximo, três anos. Determinada, portanto, a data de validade do
deslumbramento, da paixão. Passada esta fase, garantem os cientistas, o
arrebatamento dos primeiros meses se transforma em carinho, amizade,
respeito, em qualquer outra coisa.
Lentamente,
a ciência tenta derrubar as fronteiras entre a realidade objetiva e a
alma. Há muito se canta este sentimento em prosa e verso; vãs tentativas
de lhe dar sentido. Agora, colocado sob a lupa científica, ele recebe
uma data de validade. Ultrapassada tal data, o “que não tem receita, nem
nunca terá” corre o risco de embolorar, mofar.
Vivemos
sob a ditadura das estatísticas e dos rankings. Hoje, uma partida de
futebol ou um esporte qualquer é analisada à luz dos números. Na
academia, o desempenho do docente ou pesquisador é medido pelo número de
trabalhos publicados, pela quantidade de congressos de que participou. É
a chamada “produtividade”. Você pode ser brilhante; se não produz, se
arrisca a ficar fora do jogo.
Curiosa,
a precisão da ciência ao determinar este período. O cara ou a garota
fazem de tudo para a coisa dar certo, até que um dia deparam com o prazo
categórico do cientista: três anos. Encontros tórridos, com troca de
presentes e juras de amor podem se estender por mil e poucas noites, se
tanto. Terminado este período, segundo os cientistas, a vida do casal
será invadida pelo bafo quente da rotina.
Suponho que a geração atual esteja mais sossegada, neste sentido. Seguindo um carpe diem instintivo, talvez simplesmente namorem, e deixem rolar. Há quem opte por ficar
– verbo recente em nosso léxico afetivo. Eu só fico curioso em saber a
faixa etária de quem elabora esse tipo de pesquisa; saber mais sobre o
perfil do leitor que realmente dá trela a tais conclusões científicas.
Em
que medida a ansiedade e o medo de perder o parceiro são produtos da
indústria de Hollywood, e de seus mitos do amor romântico?, talvez valha
a pena perguntar. Afinal, sem o ideal do amor romântico, a indústria do
cinema e da canção popular que se alimenta de temas como a ausência da
pessoa amada, a dor de cotovelo e a “fossa”, simplesmente entraria em
colapso.
Determinar a duração deste
sentimento indefinível me soa como uma das muitas pretensões do ego. De
tudo que já li sobre o amor, guardo o eco de uma frase de J.
Krishnamurti, que provocou em mim uma ressonância de catedral. Não
lembro as palavras exatas, mas a essência é esta: você é realmente capaz
de amar alguém somente quando consegue eliminar da memória qualquer
vestígio do passado desta pessoa.
Endosso, e vou além: quando se livra
de toda e qualquer ideia pré-concebida, de todos os preconceitos, da
imagem cristalizada deste indivíduo, formada a partir de atitudes e
comportamento do passado.
Ora, na
medida em que o passado é constantemente destruído para ceder espaço ao
amor, a própria concepção de tempo perde o sentido – o que,
consequentemente, invalida este tal estudo científico. Assim, o
verdadeiro amor nasce da intensa experiência do aqui-e-agora, que rompe
qualquer vínculo com o passado (arrependimentos, culpa) ou com o futuro
(ansiedade, expectativas).
Por trás
desta obsessão em medir o tempo de tudo talvez esteja o desejo de
controlar o curso dos acontecimentos, de atribuir alguma lógica às
coisas do coração. A tentativa de explicar e dar sentido à vida e aos
sentimentos traz uma sensação (ilusória) de segurança. Sensação que leva
à preocupação com a estabilidade no emprego, o plano de saúde, o seguro
de vida, a aposentadoria, e, por fim, com o tipo de jazigo.
Basta saber
quanta energia física e mental vale a pena investir neste processo.
Pois a vida – corda bamba de riscos e aventuras – costuma ignorar
planejamentos e qualquer tipo de certeza. E dá razão a Guimarães Rosa:
“viver é muito perigoso”.
LUIS GONZAGA FRAGOSO
Tradutor e Revisor
luisgfragoso@terra.com.br
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